Parceiros

“A terceira miséria é esta, a de hoje./A de quem já não ouve nem pergunta./ A de quem não recorda”

Hélia Correia (2012), A terceira miséria

Entre os dias 22 e 24 de novembro de 2018, o projeto TRANSLOCAL. Culturas Contemporâneas Locais e Urbanas (integrado no Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais da Universidade da Madeira e desenvolvido em parceria com a Câmara Municipal do Funchal) promoveu, na Madeira (Funchal e Ponta do Sol), a 1.ª edição dos ENCONTROS TRANSLOCAL COM…, desta vez dedicados ao Mediterrâneo.

Tomando como mote as palavras de Hélia Correia citadas em epígrafe e não esquecendo nem os étimos latinos que se inscrevem na história do topónimo Mediterrâneo – Mare Nostrum [o nosso mar] e Mediterraneum mare [o mar que está entre terras] -, nem a complexidade cultural e política que, ao longo de séculos e ainda hoje, teceu/tece a malha dessa geografia ecossociocultural, os ENCONTROS TRANSLOCAL COM O MEDITERRÂNEO procuraram refletir sobre o que é, hoje, o Mediterrâneo.

Integrando duas conversas com artistas convidados, a projeção de um documentário, uma exposição de fotografia com instalação sonora e um concerto de bolso, os ENCONTROS TRANSLOCAL COM O MEDITERRÂNEO contaram com a participação de dois projetos internacionais que, associando pesquisa e criação artística, tomaram o Mediterrâneo como foco de reflexão: o projeto ARCHiPELAGOS – Passagens de Amélia Muge e Michales Loukovikas (2017), apresentado na Ponta do Sol (Auditório do Centro Cultural John dos Passos), no dia 24.11.2018); e o projeto O MEDITERRÂNEO SOMOS NÓS de Filipe Reis, Filipe Ferraz e Emiliano Dantas (2018), apresentado no dia 22.11.2018, na Sala de Sessões da Escola Secundária Francisco Franco e na Galeria de Arte de Francisco Franco.

Com a promoção desta primeira edição dos ENCONTROS TRANSLOCAL COM O MEDITERRÂNEO procura-se contribuir para esse exercício de resistência à ‘terceira miséria’ anunciada por Hélia Correia, desafiando as comunidades locais e os visitantes insulares a escutar, a relembrar e a interrogarem-se sobre a densidade transcultural e a instabilidade translocal que caracterizam essa região e as respetivas culturas, afinal tão próximas da Madeira, quer do ponto de vista geográfico, quer do ponto de vista histórico, político e antropológico.

Um e outro projetos reenviam-nos, na verdade, para as ambivalências que os nomes latinos dados a esse mar nos colocam. Por um lado, no título O MEDITERRÂNEO SOMOS NÓS ecoa a designação Mare Nostrum, pela tónica colocada na ideia de ser o Mediterrâneo um espaço plural de identificação comunitária, embora sem ignorar quanto o possessivo nostrum/nosso, justamente por delimitar as fronteiras e destacar a soberania/posse sobre esse espaço, também significou/significa hierarquização marginalizadora ou até violência hegemónica. Por outro lado, com o título ARCHiPELAGOS – passagens, Amélia Muge e Michales Loukovikas recuperam o valor etimológico de arquipélago (αρχι – arkhi: ‘grande, primordial + πέλαγος – pelagos: ‘mar’), primeiramente utilizado para referir apenas um dos mares do Mediterrâneo (o Mar Egeu) e só mais tarde assumindo o sentido que hoje ainda mantém: o de conjunto de ilhas. ARCHiPELAGOS – passagens recupera, assim, até certo ponto, o sentido de medi + terraneus, salientando o caráter fragmentário e instável desse mar de mares, de ilhas, de orlas costeiras que abrem e fecham para três continentes distintos – África, Ásia e Europa. Um mar que, justamente por esse seu caráter líquido e de passagem, ora flui e reflui para além das suas fronteiras físicas, ora é experienciado e entendido como plataforma movediça de complexos trânsitos, encontros e confrontos.

Estas e outras questões (entre as quais a do papel da criação artística na resistência ao esquecimento, à inércia reflexiva e à perceção superficial e acrítica do mundo)serão debatidas nas quatro iniciativas que integram o programa da presente edição dos ENCONTROS TRANSLOCAL COM O MEDITERRÂNEO:

22.11.2018

13:30 | Escola Secundária de Francisco Franco (Plano Nacional de Cinema), Funchal

❖   Projeção do documentário O MEDITERRÂNEO SOMOS NÓS e conversa com os autores do projeto (FILIPE REIS, FILIPE FERRAZ e EMILIANO DANTAS), promovida pelo Plano Nacional de Cinema em implementação na escola.

18:00 | Galeria de Arte Francisco Franco, Funchal

❖   Inauguração da exposição O MEDITERRÂNEO SOMOS NÓS (instalação sonora “VOZES, SONS E MÚSICA DA ORLA DO MEDITERRÂNEO” de Filipe Reis; “FOTOGRAFIAS, CORPOS E OBJECTOS” de Emiliano Dantas; e filme “O MEDITERRÂNEO SOMOS NÓS” de Filipe Ferraz, Filipe Reis e Emiliano Dantas). A exposição pôde ser visitada até ao dia 15.12.2018

24.11.2018

21:00 | Centro Cultural John dos Passos, Ponta do Sol

❖   CONVERSA TRANSLOCAL | MEDITERRÂNEO – TRANSLOCALIDADES CULTURAIS E INTERARTES com AMÉLIA MUGE, ANA SALGUEIRO, FILIPE REIS E MICHALES LOUKOVIKAS.

❖   CONCERTO DE BOLSO TRANSLOCAL com Amélia Muge e Michales Loukovikas (projeto ARCHiPELAGOS-PASSAGENS) e com Mariana Camacho e Filipe Ferraz.

 

Esta 1.ª edição dos ENCONTROS TRANSLOCAL COM O MEDITERRÂNEO resulta de um trabalho de cooperação e apoio entre várias instituições locais, regionais e nacionais: Associação Musical e Cultural Xarabanda; Câmara Municipal do Funchal; Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais da Universidade da Madeira; Centro em Rede de Investigação em Antropologia (neste caso também apoiado pelo INATEL e pelo CIOFF); Estalagem da Ponta do Sol; Galeria de Arte Francisco Franco; Plano Nacional de Cinema (equipa da Escola Secundária de Francisco Franco); Secretaria Regional de Educação (através da Direção de Serviços de Educação Artística e Multimédia); Secretaria Regional de Turismo e Cultura (através do Centro Cultural John dos Passos).

ARCHiPELAGOS – passagens

Autores:  Amélia Muge e  Michales Loukovikas

Sinopse: Uma viagem no espaço e no tempo com poesia de Safo e Hélia Correia, que nos leva a Friedrich Hölderlin, Ludwig van Beethoven e à redescoberta de Eurípides. Passamos pelo porto sírio de Ugarit, 3500 anos atrás, que nos conduz ao ‘Acordai’ de José Gomes Ferreira e Fernando Lopes-Graça e ao lamento pela tragédia dos refugiados. Aporta-se ainda nas míticas ou imaginárias ilhas de Ítaca, Utopia ou Terra do Nunca. Atravessando os Pilares de Hércules, chega-se aos arquipélagos Atlânticos da Macaronésia (Açores e Madeira, Canárias e Cabo Verde). Com um feitiço lançado na Taverna do porto, bebemos no fado e no rebético histórias de viagens sem regresso, como as contadas por João de Deus, Mitsakis e Tsitsanis. Passa a viagem para outras dimensões com Fernando Pessoa e firma-se o chão de José Saramago e Giorgos Andreou para rematar com ‘Alegria’ as voltas todas das Canções de migração, esse nostálgico e perpétuo nostos, imbuído de saudade, que liga Grécia, Portugal e Galiza, Cabo Verde e América Latina. Na viagem de regresso a casa, dá-se um encontro entre a poesia galaico-portuguesa de Martim Codax e a música  de Panos Tountas para se terminar numa Bulería, um final de festa, em que toda a gente está convidada a cantar e a dançar: gregos e portugueses, espanhóis e africanos, adultos e crianças – e quantos mais se quiserem juntar. São todos bem-vindos!

O MEDITERRÂNEO SOMOS NÓS

Autores:Filipe Reis, Filipe Ferraz e Emiliano Dantas

Sinopse: O Projeto O MEDITERRÂNEO SOMOS NÓS pretende, através do recurso a meios audiovisuais (vídeo, som e fotografia) entender a identidade e a diversidade do Mediterrâneo e situar Lisboa como a casa de muitos ‘mediterrâneos’. Usando uma metodologia de trabalho inspirada na antropologia visual e do som, ao longo do projeto foram realizadas entrevistas a 12 pessoas oriundas de países da orla do Mediterrâneo residentes em Lisboa e arredores de Lisboa. As entrevistas foram registadas em vídeo em pelo menos duas línguas: a sua língua materna e português ou inglês. Nas sessões de entrevista essas pessoas foram também gravadas em áudio, dizendo uma mesma frase na sua língua materna e fotografadas com um objeto à sua escolha que reportasse para o seu país de origem. Com todo este material foi realizado um filme intitulado O Mediterrâneo somos nós (de Filipe Reis, Filipe Ferraz e Emiliano Dantas, 46’, Portugal), uma peça sonora para 8 canais intitulada Vozes, sons e música da orla do mediterrâneo (de Filipe Reis) e uma exposição de fotografia intitulada Fotografias, corpos e objetos(14 fotografias P/B de grande dimensão, de Emiliano Dantas). Este projeto foi executado pelo Laboratório Audiovisual do CRIA (Centro em Rede de Investigação em Antropologia – Nova FCSH, ISCTE-IUL, U. Coimbra e UMinho) e foi financiado pelo INATEL e pelo CIOFF.


 

 

 

 

 

Ana Salgueiro

Coordenação do Projeto TRANSLOCAL. Culturas Contemporâneas Locais e Urbanas