TRANSLOCAL. Culturas Contemporâneas Locais e Urbanas

# 3 | 2020

Coord. Residente: Ana Salgueiro

Abstract: This article frames the utilisation within film of artforms such as painting, theatre and music as a bridge or a ‘passage’ to political and social reality. Such “intermedial passages” can be observed in productions from all over the world throughout film history, however this article will address a national phenomenon, more specifically, selected works by filmmakers from the states of São Paulo (Beto Brant and Tata Amaral) and Pernambuco (Cláudio Assis, Paulo Caldas and Marcelo Luna), in Brazil, who over the years have bridged across their regions’ very different social history and geographic situation by means of a shared artistic and political platform.          Key-words: Brazilian Cinema, intermedial passages, political and social reality.

Imagem da capa: fotograma do filme O Amor que Purifica, realizado em 1969 por Lourdes Castro e René Bertholo, José A. Paradela, Pitum Keil do Amaral, Eduarda e Marcelo Costa, Leonor Bettencourt, João Conceição, Alexandra Santos, Luís Moreira, Marcela Costa e Jorge Sumares
© autores e Porta 33

Resumo: O mundo vislumbrado pela ideia de “world cinema” (cinema do mundo) encontra-se frequentemente ligado a uma concepção do planeta em termos da circulação global de filmes e redes de produção, consumo e distribuição. Este artigo postula a necessidade de confrontar o mundo como uma categoria representativa e estética em e por si mesma.          Palavras-chave: “world cinema”, transnacionalismo, cinema global, terra, Mundo, totalidade, universalismo

Conceção Gráfica:  Betânia Castro | DCT-CM (2018)

Resumo: Este artigo analisa especificidades do olhar de Sarah Maldoror, sustentado numa concepção, singular, de cinema político. Durante o período mais dinâmico do internacionalismo cinematográfico, entre os cineastas engajados, Sarah Maldoror distinguiu-se por usar a ficção para retratar as guerras de libertação nas ex-colónias portuguesas. Para as primeiras obras, inspirou-se em textos de Luandino Vieira. Procurou, também na mesma época, documentar o processo de consciencialização política e luta armada na Guiné-Bissau, através da fixação da importância das mulheres no maquis. A diversidade das suas opções evidencia, desde o início do seu percurso, o seu experimentalismo e o desafio permanente das convenções formais do cinema. Posteriormente, os filmes que fez em Cabo Verde e na Guiné-Bissau após as independências mostram o envolvimento das pessoas nos processos de descolonização, sem deixar de relevar, desassombradamente, a hibridez cultural gerada no âmbito do colonialismo. A invisibilidade e invisibilização a que a sua obra tem estado remetida evidencia a falta de reconhecimento, pela historiografia do cinema, a Maldoror. Este silêncio, proponho, deve-se ao difícil balanço entre as opções criativas e os impulsos da autora e as coerções exercidas sobre ela, não obstante a sua insubordinação. Para compor a sua filmografia de sobrevivência, em que recorre formalmente à poesia, à música jazz e à pintura, apoiando-se frequentemente numa estética surrealista, nunca se sujeitou às pressões exercidas durante o processo de realização dos seus filmes.          Palavras-chave: Sarah Maldoror; Cinema político; descolonização; lutas de libertação; independências africanas; Luandino Vieira. 

Resumo: Head, Tail, Rail é o título de um trabalho pessoal de investigação artística – um filme experimental em 35mm – que explora os film leaders posicionados na periferia das bobinas cinematográficas. Se analisarmos em mais pormenor a película cinematográfica de 35mm, verificamos que, dos 35mm da sua largura, apenas 21mm são projectados e visíveis dentro dos limites do ecrã. Os restantes 14mm estão para lá do enquadramento, no apoio à projecção. Este espaço, não sendo projectado, faz parte do filme e da sua base física. Neste sentido, Head, Tail, Rail dá-nos um olhar exocêntrico, mostra-nos um lado mais marginal do cinema e uma nova perspectiva da matéria cinematográfica. Procuraremos reflectir, apoiando-nos nos conceitos de esconderijo (Bazin), intervalo (Vertov) e obtuso (Barthes), sobre o que está para além daquilo que os filmes, normalmente, mostram, não apenas na periferia das bobinas, mas também naquilo que, ao centro (no ecrã, no fotograma), na imagem se esconde.          Palavras-chave: Esconderijo; intervalo; obtuso; film leader; cinema.

Resumo: Abordamos as relações entre os espaços do cinema e o da tela, a partir da obra Screening Room de Morgan Fisher. Para isso, discutimos obras que enfatizam o espaço da projeção do filme, como The Flicker de Tony Conrad e La hora de los hornos de Solanas e Getino, e experimentos que o subvertem inteiramente, como o caso de Un programme d’avant-garde de Maurice Lemaître, Via Férrea Cine Percurso de Paulo Bruscky e TAPP und TASTKINO de VALIE EXPORT. O objetivo é estabelecer proximidades e afastamentos entre essas obras, bem como ressaltar as distintas concepções do que é o espaço “real” da projeção. As referências teóricas utilizadas são, além dos próprios artistas, Nelson Goodman e Ernest Gombrich, especialmente no que se referem à representação e à impossibilidade do olhar inocente.          Palavras-chave: Screening Room. Morgan Fisher. Espaço-da-tela. Espaço-do-cinema. Cinema Estrutural. Artes Visuais. Espectador.

Resumo: Por motivos terapêuticos, pelo menos desde o século XIX, a Madeira foi um local turístico. Percecionada como periferia, era procurada pelos europeus que, em férias ou de passagem breve, realizaram filmagens da ilha e das suas gentes. O filme servia, aqui, como suporte de memórias. É nossa proposta observar alguns filmes realizados por estrangeiros, em trânsito na Madeira, sendo alvo de estudo a linguagem e a forma de representar a ilha e os madeirenses, povo “periférico”. Para este trabalho, foram analisados filmes de divulgação turística, dois das primeiras décadas do século XX e outros dos anos 50.          Palavras-Chave: Madeira; Periferia(s); Cinema; Turismo

Resumo: Este artigo discute o cinema brasileiro e latino-americano da década de 1960, a partir da análise do projeto cinematográfico não-filmado de A hora dos ruminantes, de 1967, idealizado pelo cineasta Luiz Sergio Person e pelo crítico e roteirista Jean-Claude Bernardet, e baseado na obra literária homônima de José J. Veiga. O modelo, que Person chamou de “Cinema de Terceiro Mundo”, partilharia de algumas características de outros movimentos cinematográficos da época, como o Tercer Cine e o Cinema Novo. No entanto, a aproximação com o público seria pensada de outra forma, na medida em que Person e Bernardet apostavam no público interiorano, buscando a afirmação da indústria cinematográfica nacional por meio de um modelo de cinema de inspiração popular, mas não recaindo no realismo estrito, e sim acenando com uma reinvenção fantástica do imaginário popular, inspirada pela estética do realismo mágico. Discutimos também o problema da estética do Terceiro Mundo, considerando A hora dos ruminantes como um representante do cinema de resistência identitária e política, em reação à padronização imposta pelo cinema hollywoodiano.          Palavras-chave: A hora dos ruminantes ; José J. Veiga ; Luiz Sergio Person ; Jean-Claude Bernardet ; Realismo mágico ; Cinema Novo ; Tercer Cine ; Cinema de Terceiro Mundo

Resumo: Artista prolixo e experimental, Doug Aitken desafia e reconfigura as convenções das imagens em movimento, desenvolvendo experiências artísticas imersivas, através da utilização e combinação de diferentes media e tecnologias, que permitem, por um lado, a amplificação das suas potencialidades e, por outro, a criação de cenários visuais surpreendentes onde espaço, tempo e narrativa são fragmentados para se tornarem conceitos fluídos. A crescente ubiquidade entre as diferentes tecnologias e o cinema fez eclodir um outro cinema, livre de constrangimentos concetuais e técnicos para criar uma nova relação com o espetador, apontando novas estratégias de criação, exibição e receção. A extensa obra de Aitken é fascinante e inspiradora, mas o escopo do nosso texto serão as obras Sleepwalkers (2007) e Migration (Empire) numa abordagem de contextualização no cinema expandido. Aitken, tal como os artistas da década de 1960 que contribuíram para a expansão das fronteiras formais e técnicas do cinema, cria instalações que desafiam géneros e escalas através de narrativas labirínticas e abertas e integração de espaços arquitetónicos que permitem uma nova relação com o espetador.          Palavras-chave: cinema expandido; instalação; fragmentação; fluidez

Resumo: O período decorrido entre as décadas de 30 e a 60 do século XX foi aquele em que se assistiu a uma grande proliferação da construção de cine-teatros em Portugal, quer se trate das capitais de distrito ou mesmo das localidades mais remotas. Durante aquele período, os cine-teatros foram regulamentados por um diploma legislativo — Decreto nº 13:564 — que vigorou entre 1927 e 1959, sob a tutela da Inspeção Geral dos Teatros. Regida pelo Ministério do Interior, aquela entidade, não só controlou o cumprimento do referido Decreto, como impôs as suas próprias normas à construção de cine-teatros. O artigo aborda as funções desempenhadas pela Inspeção Geral dos Teatros e as mudanças de tutela, as normas de construção definidas naquele Decreto, procurando identificar a sua origem em regulamentos anteriores. Através da análise de casos de estudo, apresenta, também, as normas impostas por aquela entidade, não definidas no Decreto e outras aplicáveis aos dispositivos cinematográficos da época, tais como a cabine e o ecrã de projeção.          Palavras-chave: Cine-Teatros, Inspeção Geral dos Espetáculos, dispositivos cinematográficos, cabine de projeção, ecrã de projeção, regras convencionais.

Resumo: O presente artigo não é um estudo exaustivo sobre o cinema do Livramento, cujo nome oficial era Cinema Mar e Sol. É, na realidade, fragmento de um estudo maior acerca da obra do arquiteto Luís da Conceição Teixeira, que ganha, nesta circunstância, alguma independência. Trata-se de uma leitura introdutória sobre este edifício em particular, do ponto de vista arquitetónico e urbanístico, sem perder de foco a sua história e o impacto que a sua concretização teve no panorama cultural da Ponta do Sol. O  Cinema Mar e Sol é um edifício conhecido apenas nas memórias daqueles que o visitavam e que o adaptaram a diversos usos ao longo dos anos. O desconhecimento perante a sua riqueza arquitetónica reflete-se, atualmente, no abandono e adulteração desta construção. Resta apontar possíveis direções a seguir e incidir nas potencialidades deste espaço, para que não só possamos recordar este cinema, mas também dá-lo a conhecer e permitir que marque mais gerações do que as que já marcou.          Palavras-chave: Cinema; Arquitetura; Modernismo; Madeira; Ponta do Sol

OLHARES CRUZADOS | CROSSED VIEWS _ SCREENINGS FUNCHAL

DIÁLOGOS |  DIALOGUES

Resumo: Uma premissa de Roland Barthes antecipa a relação entre espectador e fotograma na consubstanciação do tableau mort. O tableau vivant parece consignar-se na imagem projetada, como consequência do fotograma, primo estéril da fotografia. Este axioma desdobrar-se-á ante a expectativa de ele se apresentar sob outra coisa, que, com efeito, viremos a descobrir, à conta da constituição subjetivista do indivíduo do século XIX, estar representada na audiência embevecida perante o objecto de contemplação patenteado no filme. O tableau oitocentista terá correspondência na imagem feita ao abrir da análise, sobre o espectador ensimesmado, na medida em que se operará todo um processo de identificação do espectador com a imagem projetada, porquanto serão ambos duas formas semelhantes e não antagónicas, representadas sob a designação de tableaux morts. Esta correspondência do tableau no fotograma com o tableau na audiência cumpre função reflexiva. Para darmos a conhecer o nosso programa teórico, far-se-á uso do festival como cenário para contemplação, mas que, porém, não pretende um diagnóstico aturado de casos concretos atuais. Fornece, contudo, intuições de cariz filosófico, mais especulativo do que analítico, para pensar o tópico.           Palavras-Chave: tableau vivant, tableau mort, teatralidade, espectador, khatarsis.

SUGESTÕES DE LEITURA |  BOOK REVIEWS

LÚCIA NAGIB:  is Professor of Film at the University of Reading. Her research has focused, among other subjects, on polycentric approaches to world cinema, new waves and new cinemas, cinematic realism and intermediality. She is the author of many books, including Realist Cinema as World Cinema: Non-cinema, Intermedial Passages, Total Cinema (Amsterdam University Press, 2020), World Cinema and the Ethics of Realism (Bloomsbury, 2011) and Brazil on Screen: Cinema Novo, New Cinema, Utopia (I.B. Tauris, 2007). Her edited books include Impure Cinema: Intermedial and Intercultural Approaches to Film (with Anne Jerslev, I.B. Tauris, 2013), Theorizing World Cinema (with Chris Perriam and Rajinder Dudrah, I.B. Tauris, 2011), Realism and the Audiovisual Media (with Cecília Mello, Palgrave, 2009) and The New Brazilian Cinema (I.B. Tauris, 2003). She is the writer and director, with Samuel Paiva, of the award-winning feature-length documentary, Passages.